sábado, 2 de agosto de 2008

Conto V – Mono

Estava andando no meia da Avenida Paulista, adoro andar naquele lugar, não sei, me sinto mais adulto do que realmente sou quando ando por alí. Era por volta da uma da tarde. Havia tido um dia maravilhoso. Apesar de ter acordado cedo, esta atitude era por um bom motivo: iria assistir uma palestra que estava programando havia meses. Um sociólogo polonês, o qual gosto muito e que discute sobre a pós-modernidade, iria dar uma palestra e lançar seu novo livro aqui no Brasil, naquela avenida.
Acordei cedo como já disse, peguei o trem lotado. Lógico que essas coisas acabam estressando um pouco, mas a expectativa para a palestra era maior e valeu a pena. A palestra foi incrível, durou aproximadamente uma hora e depois houve mais duas horas para perguntas e debates. Foi demais, saí de lá atônito, surpreendido, com mil pensamentos na minha mente, resumindo sai de lá: bobo.
Era nesse clima que andava por volta da uma da tarde na avenida paulista. Minha cabeça latejava, mas não de dor de cabeça, mas sim de atividade mesmo. Não conseguia parar de pensar na palestra. Um ser em atitude blasé, totalmente absorvido na subjetividade, andando pela calçada da Avenida. A distração era tanta que nem percebi o tumulto, pessoas correndo ao redor de mim.
Uma bomba, foi isso que me vez perceber a confusão. O estouro, o gás, a correria, a polícia, os manifestantes. Resultado, fiquei surdo do ouvido esquerdo por algumas horas, tossindo que nem um condenado e com alguns hematomas pelo corpo, pois, devido a correria e minha distração acabei sendo jogado no chão e pisoteado.
Quando consegui levantar e entender o que estava acontecendo, saí de perto daquela confusão, me escondendo em uma travessa da avenida. Demorei meia hora, pelo menos, para parar de tossir e os olhos pararem de arder. Olhei para o meu braço esquerdo, estava todo ralado, nem lembrava como isso aconteceu. Mas, o que mais me incomodava era a surdez do meu ouvido esquerdo. Fiquei preocupado, a bomba havia estourado bem perto de mim, não havia nada, nem som fraco, nem mesmo um “pin”, nada, simplesmente o silêncio. Esperei aquele tumulto se acalmar. Algum movimento social deveria estar fazendo uma passeata e acabou entrando em choque com a polícia, como quase sempre acontece. Dessa vez não estava na passeata, era um simples coadjuvante.
Voltei para avenida procurando o primeiro metrô que pudesse me levar para casa. Vi um grupo de manifestantes e policiais discutindo, eles formavam um verdadeiro corredor polonês, assim como o sociólogo, na calçada. Quem quisesse passar por ali teria que ou passar no meio do tumulto ou invadir a rua. Estava cansado daquilo tudo, resolvi enfrentá-los e passei pelo meio dos dois grupos.
Foi estranho esta situação. Apesar de escutar os gritos dos policiais, eles não tinham definição, porém, os manifestantes, parados no lado direito da rua, o mesmo lado do meu ouvido bom, eu conseguia ouvir bem. Eles diziam: seus filhos da puta; seus paus mandado de merda; estamos lutando por uma causa justa, vocês estão agredindo pessoas de bem, etc. Fiquei pensando, quão absurda era atitude daquele poder coercivo, que impedia uma manifestação social e a tentativa da população reivindicar seus direitos. Absurdo.
Ainda bem que consegui sair daquele tumulto e entrei no metrô. Ao olhar a carteira para recarregar meu bilhete único percebi que estava sem dinheiro. Não acreditei quando lembrei que o banco ficava depois daquela discussão, teria que passar novamente através daquele clima tenso. Não acreditei, mas tomei coragem e subi de novo as escadas me preparando psicologicamente para aquilo.
Respirei fundo e entrei no “corredor”, porém, algo engraçado aconteceu. Meu ouvido direito, desta vez, ficou do lado dos policiais e pude escutar perfeitamente o que eles falavam: Seus filhos da putas; seus metidos a revolucionários; estamos tentando manter a ordem, só estamos tentando fazer nosso trabalho, etc.
Os discursos eram tão parecidos que saí daquele corredor chocado, até olhei para trás novamente para ter certeza que estava ouvindo o outro grupo. Parei por um instante, respirei e voltei a andar pensando na insanidade daquela situação. Ambos os lados se atacavam, gritavam, esbravejavam, mas em nenhum momento pararam para se ouvir. Já estavam com suas falas prontas, seus julgamentos inexoráveis, não era necessário o diálogo, pois para cada um não havia dúvidas quem estava certo.
Enquanto me dirigia ao banco para pegar o dinheiro que finalmente me levaria para casa, pensava naquela situação. Ambos os grupos estavam errados, eles não se escutavam, não queriam saber de pontos de vistas que fossem diferentes dos deles, não estavam preparados para ouvir o “outro”, saber seus problemas, entender sua agressividade e seus motivos. O que enxerguei, coisa que eles dentro daquela confusão não conseguiam enxergam, foi que ambos eram filhos da puta e ao mesmo tempo não eram tanto como diziam, ambos lutavam por causas justas e ambos eram pessoas boas. Eles estavam cegos, se viam como inimigos e nem estavam preparados para tentar ser outra coisa.
Peguei o dinheiro, mas na saída do banco, ao olhar para aquele tumulto insano, revolvi tomar a outra direção, mesmo que o metrô fosse mais distante, tudo bem. Caminhei um pouco mais, todavia tive tempo para pensar naquilo tudo. A palestra já não fazia parte dos meus pensamentos, agora o que bombardeava a minha mente era justamente a incompetência humana para entender o outro. E isso não está presente apenas entre manifestantes e policiais.

3 comentários:

Anônimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Olá J.J.!!!! Adorei o seu conto... muito bom! Seria um ótimo tema para um curta-metragem... li o seu conto, e imaginei até as cenas hahahaha. Sério!! Já pensou em ser roteirista? Seria uma boa... se quizer conheço um pessoal de Rádio e Tv rs.

Mas enfim, acho o seu assunto super discutível: a falta de comunicação. Bem abordado que isso não acontece somente com "idealistas" e policiais... acho que a comunição, a fala está um pouco perdida entre as pessoas. As pessoas não têm paciência para ouvir principalmente os outros. Acho muito digno falar sobre esse assunto... muito legal! Beijocas!

pontos... disse...

Muito boa a idéia!!! O pulo do gato..