quinta-feira, 31 de julho de 2008

Conto III - O Mal Estar

Hoje acordei com tremendo mal estar. A mulher que dormia a meu lado já não era a mesma de anos atrás. Levantei assustado, fui até o espelho e para minha surpresa eu não era mais o mesmo, meu banheiro não era mais o mesmo. A reforma.
Tinha destruído o banheiro todo do meu apartamento para fazer um novo, com espelho iluminado por luzinhas super-modernas, uma pia ampla e, acima de tudo, com banheira. Ter uma banheira sempre tinha sido o meu sonho de consumo, passei 20 anos da minha vida querendo ter uma. Lembro que quando era adolescente tive uma namorada que tinha uma banheira na sua casa, como desejava transar com ela ali, naquele lugar. Sexo no meio de toda aquela água. A pressão, o vai-vem, a aguá sendo derramada para fora. Ah, só de lembrar já me sinto bem e sei que tudo que fiz para ter essa banheira valeu a pena, valeu?
Acabei terminando com aquela paixão adolescente. Depois dela muitas outras mulheres passaram pela minha vida, algumas de maneira mais presente, outras só por passagem mesmo, umas difíceis de esquecer, outras que me ajudaram a esquecer estas difíceis de esquecer. Porém, nenhuma me marcou tanto quanto Priscila. Bem, há muito tempo que não acredito nessa coisa de “amor da minha vida”, porém de todas as mulheres que tive, Priscila foi meu grande amor.
Esse amor foi uma coisa de louco, chegamos a ficar oito anos juntos. Ela me viu formar na faculdade, me viu comprar meu primeiro carro, me viu crescer na empresa, resumindo, viu a transformação de um menino para um homem, ela foi, sem dúvida, a pessoa quem mais amei. Namoramos 5 anos e fomos morar juntos. Moramos três anos juntos, oito anos de relacionamento. E tudo acabou por causa desta banheira, sim, da banheira que era meu sonho e que hoje está aqui no meu banheiro.
A coisa não parecia tão séria. Ela sabia da história da banheira e o porque a queria tanto. Ciumes. Porém, ela dizia que gostava do nosso banheiro antigo, mas aconchegante. Sonho. Tentei explicar que sempre tive essa vontade. A outra. Ela achava que iria pensar na minha namorada da adolescência quando estivesse com ela. Transa. Prometeu que nunca transaria comigo ali se reformasse o banheiro.
Apesar do apartamento ser meu, comprado com o meu dinheiro, do meu trabalho depois de anos crescendo na empresa, ela queria impedir o meu sonho de ter aquele objeto e transar com ela naquele objeto. Sempre que tentava retomar o assunto brigávamos. Esse assunto foi o estopim, após nossas primeiras brigas por causa da tal banheira, outras discussões, raivas, mágoas, foram surgindo e acabamos terminando.
Após três anos dividindo o mesmo espaço, me vi sozinho no meu apartamento. Olhando para aquele banheiro antiguado, não tive dúvida: reformar. Luzinhas, espelhos enormes, pia gigante cheia de produtos de higiene, perfumes, cremes, tudo o que tinha direito e, finalmente, uma banheira, parecia banheiro de artista. Lembro-me do primeiro banho, pensava em Priscila e no que ela estava perdendo. Eu tinha uma banheira, ela, nesse meio tempo, o máximo que arrumou foi um namorado pé-rapado que ainda, mesmo com 28 anos nas costas, morava com a mãe. Eu tinha um apartamento, dinheiro, uma banheira. Eu tinha o poder.
Foi engraçado lembrar dessa história hoje. Acordei com um tremendo mal-estar e ao olhar para aquele objeto, vazio e quase sem uso há meses, este estranhamento só foi aumentando. Saí do banheiro, voltei para o quarto e olhei aquela mulher deitada na minha cama: uma estranha, não lembrava sequer o seu nome. Va... nessa, Va...léria, Va...nia... qualquer coisa com Va, mas na verdade era uma Va...gabunda qualquer que peguei ontem, em uma festa qualquer.
No caminho de volta ao banheiro passei pelo calendário pendurado no corredor. Era sábado dia 13, um círculo vermelho destacava esse dia. Havia marcado esta data, pois, hoje foi o casamento de Priscila com aquele mesmo pé-rapado. Não fui convidado, lógico, porém fiquei sabendo do casório por amigos em comum.
Eu estava aqui. Poderia ser eu a estar casando, como amei aquela mulher, nunca mais amei ninguém daquele jeito. Certa depressão me entristeceu o coração ao olhar para aquele objeto. Um pensamento tenebroso me veio a mente. Faziam três anos que terminamos e nunca havia transado na banheira, por quê? Não sei. Será que valeu a pena ter destruído uma história por isso? Whatever.
Corri para o quarto, começei a beijar as costas nuas naquela mulher cujo o nome eu só sabia a primeira sílaba. Ela foi acordando aos poucos e aos poucos começou a gostar daquela brincadeira. Os beijos nas costas se espalharam pelo resto do corpo e ao vê-la se contorcendo, não tive dúvida e perguntei: quer tomar um banho de banheira?
Ela topou e fomos nos pegando até o banheiro. Enquanto a banheira enchia, pensei em Priscila, pensei na minha namorada da adolescência e voltei a mente para aquela mulher do presente que mordia o meu pescoço enquanto a água subia. Não esperamos a banheira encher, o tesão foi maior.
Enquanto transava pensei: Valeu a pena destruir uma história, por isso?
Bem, ainda não sei a resposta a essa pergunta. Estou aqui, sentado agora nessa mesma banheira, vendo o relógio mudar de dia, com um copo de conhaque, sem saber o que pensar. Meia-noite e um, um novo dia, dia 14, mato o último gole e penso: foda-se, esse é o preço que a modernidade nos exige.