segunda-feira, 21 de setembro de 2009

O PEREGRINO


Um peregrino, certa vez, ao atravessar um vilarejo, foi informado da existência de um grande sábio que meditava há anos sob uma velha árvore. Curioso e um tanto eufórico pediu aos habitantes que lhe indicassem o caminho para que pudesse encontrá-lo o mais rápido possível.
Sentia, secretamente, que sua peregrinação pudesse estar perto do fim. Talvez, a sabedoria daquele homem pudesse lhe dar as respostas que tanto desejava, trazendo sentido ao seu caminhar. Como uma curva que desvia o traçado de um rio, sentia que aquele sábio seria um ponto de inflexão em sua vida.
Após seguir quase meia hora por um caminho de terra, marcado numa vasta planície, chegou finalmente à velha árvore, uma das poucas naquele lugar. Logo, ainda distante, reconheceu a figura humana sentada de pernas cruzadas, com as palmas das mãos expostas repousadas sobre a coxa e de olhos fechados em meditação. Ao chegar mais próximo, viu como aquele homem estava magro. Porém, esta constatação não o abalou muito, afinal, aquele sábio, como lhe disseram, estava há anos na mesma posição, embaixo da mesma árvore. A brisa, um pouco mais forte do que o normal para àquela hora da manhã, esvoaçava o longo cabelo sem corte daquele homem, que parecia inabalável.
- O que quer, peregrino? – Pronunciou, sem abrir os olhos, o sábio com uma voz fraca, mas que parecia ressoar dentro do coração do viajante.
- Não sei exatamente o que quero; talvez um sentido, talvez um conselho. Seja o que for, acredito que pode me ajudar a encontrar o que procuro.
- Se não sabe o que procura, por que caminha?
- Para encontrar o que me falta. – respondeu o peregrino.
Neste momento, houve uma pequena pausa no recém iniciado diálogo. Os dois seres contemplavam o silêncio, como se esperassem dele uma resposta. Passado alguns minutos, o sábio voltou a falar:
- É necessário descobrir suas carências, peregrino. Só assim saberá que a busca finalmente terminou, quando encontrar aquilo que lhe falta.
- E como saberei? Ó grande sábio.
- Reflexão, peregrino. Só depois de tanto refletir sei exatamente o que procurei durante toda minha vida e aquilo que guiará minhas ações no futuro.
- Ó grande sábio, compartilhe tal tesouro, fruto de tanta reflexão, com esse pobre sofredor? Diga-me, por favor: o que sempre procurou e o que o guiará?
O homem sentado sob a árvore não respondeu logo, talvez estivesse relembrando os caminhos que o levou àquela certeza. O silêncio novamente se fez naquele diálogo. O peregrino não se atreveu a interromper o furioso solilóquio proferido pelo vento, agora mais forte, que arrancava as folhas das árvores e movimentava tanto a relva quanto as roupas das nossas personagens. Foi em meio à distração do viajante com a ventania, que o sábio respondeu seu pedido.
- O amor. – respondeu ao peregrino, enfaticamente.
- O amor? – perguntou surpreso, voltando a si.
- Sim, o amor. Percebi que o procurei em tudo que havia feito. Meditando, percebi que só ele podia ser o meu principio ético. Sentei-me aqui, sob esta árvore, decidido a só me mover novamente quando encontrar algo que eu possa amar.
O peregrino ficou olhando aquele homem esquelético, em silêncio, esperando que o sábio continuasse sua história.
- Ao amar uma pessoa, amei e amarei por amor; ao trabalhar, trabalhei e trabalharei por amor; ao beber, bebi e beberei por amor. Amei, trabalhei e bebi pelas coisas que amei. Só o amor tem o poder de me fazer levantar e caminhar novamente. Só através dele conhecemos a verdade.
O peregrino sorriu um sorriso ambíguo; finalmente encontrara sua resposta. Sentiu certa tristeza por aquele homem, porém, deu meia volta e continuou a andar sem dizer uma só palavra. Descobriu uma sabedoria dentro de si que contrariava as palavras daquele sábio. Percebeu que o que dá sentido à peregrinação é a própria peregrinação. Percebeu que aquele homem não se moveria mais, pois esperava o absoluto e este só existe enquanto idéia. Muitas vezes, para alcançarmos o que queremos, temos que atravessar o contrário do que buscando e isso só é possível abraçando o devir: só caminhando somos capazes de amar o caminho. Ele nunca mais parou de caminhar.