sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

RETROSPECTIVA 2008

Sabe aquela frase “é melhor tomar cuidado com que se deseja”? Pois é, depois de 2008 vou tomar mais cuidado com as minha palavras. Estava relendo as coisas que escrevi no meu antigo blog e fiquei surpreso:

“Dessa vez não vou dizer: “Esse vai ser o meu ano”...mas, que seja o ano de outra pessoa... Que outra pessoa se dê muito bem esse ano, que seja feliz.
Por enquanto, vou curtir a minha estadia no “dark side at the moon”, é bom, te faz pensar na vida, rever valores, e as coisas que realmente te fazem feliz... Sabe, as vezes precisamos de um ano nulo, aquele ano que passa em branco, que só conta mesmo na idade.”

Pois é. Sério, o que foi 2008? Para mim foi sem dúvida o ano mais estranho, mais obscuro da minha vida, foi realmente meu ano “dark side at the moon”. “Ah, coitado!” Talvez, vocês possam pensar, mas não pensem isso, este também foi o ano mais fantástico da minha vida.
Não ganhei mais dinheiro, não namorei, sofri muito com as duas faculdades, novamente – todo mundo sabe que é loucura e eu também, não posso reclamar –, sofri novamente com decepções amorosas, porém, foi o ano em que se dissiparam “todas” – pelo menos boa parte – das máscaras do mundo, o ano em que me conheci de uma forma que nunca havia conhecido antes, como se eu mesmo fosse outra pessoa, como se até então o que havia feito era apenas mentir para mim mesmo.
O Jaime Junior desse ano foi dividido em dois, assim como os semestres do ano. Na primeira parte de 2008 o lema era: “eficiência”. Vivi como vivi 2007 inteiro. Noites mal dormidas, brigas e tentativas de retorno com a Silvia, a busca pelas notas altas... O peso do mundo sobre minhas costas. Algum tempo atrás eu li, não sei aonde, que o melhor exemplo para o herói moderno era o Atlas, sabe aquele cara da mitologia grega que carrega o mundo sobre suas costas?, pois é... Talvez seja um bom exemplo para o que eu tenha sido, mas não me orgulho em nada disso. Eu fui um idiota.
Eu fui na virada de 2007 para 2008 para Petrópolis com o Caio e que com a Dani. Enquanto os dois curtiam a cachoeira, sabem o que eu fazia? Ficava lendo “A ética protestante e o espírito do Capitalismo”, pela terceira vez. Sabe, não me julguem mal, mas eu realmente tentava devorar o mundo com os meus olhos, correr atrás do tempo perdido para obter todo conhecimento do mundo. Sabem quantos livros eu li nas férias? Janeiro e fevereiro? Quatorze, sim uma média de sete por mês. Que porra. Há uma frase do Ralph Waldo Emerson, que o Bauman usa, que acho talvez a melhor frase para explicar o nosso tempo e o jeito como eu vivia: “Quando se patina sobre o gelo fino, a segurança está na nossa velocidade”. Ou talvez possa também utilizar um trecho de Alice no país das Maravilhas, também utilizado pelo Bauman (meu guru, hehehe), que é: “Agora, aqui, veja, é preciso correr o máximo que você puder para permanecer no mesmo lugar. Se quiser ir a algum outro lugar, deve correr pelo menos duas vezes mais depressa do que isso!”. Era assim que eu me sentia, deveria correr duas vezes mais para sair do lugar, a sensação que tinha era que se não o fizesse ficaria no mesmo lugar e ficar no mesmo lugar na camada de gelo fino significa afundar. Isso, pode parecer louvável, engraçado, sei lá, mas não é nenhum dos dois... é ridículo, é quase doente. Vivi mal pra caralho por causa dessa porra chamada “princípio de eficiência”. Uma porra que me fez ligar tremendo e chorando pro meu pai, depois de três noites dormindo duas horas, vivendo a base de café e pó de guaraná, para falar que eu corria risco de ficar com DP em uma matéria na faculdade de música. O pior não foi isso, foi ouvir o professor falando: “você atingiu a nota para passar mas acho que você tem que fazer a matéria de novo.” Meu stress era tanto que não agüentei quando eu ouvi a voz do meu pai no telefone, chorei que ninguém uma criança. Só naquele dia eu tive 4 provas, sim, 4, 3 na de música e uma na de história. Minhas notas foram boas, mas a pergunta que me faço é: Pra quê?
A “mudança” veio junto com as férias. Em uma viagem que o pessoal da Unifesp fez para Minas aconteceu algo envolvendo três pessoas, eu era uma delas. Esse “algo” marcou a vida dessas três pessoas, de maneiras diferentes, mas sem dúvida foram marcas fortes para os três. Raiva, pena, amor, ódio, calor, frio, sobriedade, ebriedade, não é a toa que todo mundo conhece Minas pelo seu “barroco”, pois foi lá que os opostos se tocaram. Como diz Milan Kundera, quando os opostos estão tão próximos e quase se tocam “a existência humana perde suas dimensões e adquire uma INSUSTENTÁVEL leveza”. Quando os opostos estão próximos, tudo o que damos valor perde seu peso, quando o amor e o ódio estão vivamente presentes, ao mesmo tempo, o sentido que dávamos para eles perde seu valor, porém esta falta de peso, deixa sobre nossos ombros uma leveza insustentável. Foi assim que Minas se apresentou para mim e foi ali que começou minha “pós-modernidade”. Eu sempre fui um cara sonhador, vivia preso no futuro, “planejando” o que seria minha vida, ou, um cara meio passadista, sempre gostei de me lembrar da infância, relacionamentos passados, etc. Whatever, eu não estava preso no presente, estava sempre preso em um dos dois extremos, e foi quando os extremos se tocaram que o presente foi ouvido. Lembro-me bem de uma conversa que tive com uma das pessoas envolvidas neste “algo” que lhe falei “engraçado não consigo mais pensar no passado e nem ter esperanças no futuro”.
Provavelmente, vocês estejam pensando: “ah coitado”. Novamente peço, não pensem isso. Tem uma frase no filme “Pequena Miss Sunshine” que o tio da menina fala com o seu irmão mais velho sobre Proust, ele fala que o Proust era um cara fracassado, porém, chegou no final da vida e viu que não fossem estes anos de sofrimento, ele não seria quem ele era. Por isso 2008 foi um ano fantástico, pois foi através dele que consegui desmascarar o mundo e a mim mesmo.
Logo após o “algo” de Minas, e devido a minha falta de esperanças no futuro pude me desmascarar. Quando eu pensava “eu vou fazer isso, aquilo e tal”, eu pensava de forma muito realística, “não, você não vai, porque você é assim e daquele jeito”. Eu havia me enxergado. Todas as minhas limitações, todas as minhas potencialidades, apareciam diante dos meus olhos. Eu ouvi certa vez que o mito da medusa representa o fato de olharmos para nós mesmos, ficamos petrificados não porque olhamos para um monstro com cobras ao invés dos cabelos, mas porque olhamos para nós mesmos, porém, no reflexo, o que vemos é a figura monstruosa. Foi isso que aconteceu, olhei-me nos meus próprios olhos e vi o que era.
Desde as aulas de Contemporânea I comecei a enxergar o mundo em que vivemos como um mundo onde não me reconhecia. Assim como um “flauner”, passei a observar as pessoas e a sociedade e comecei a pensar: ah, então o mundo contemporâneo é assim... Puts, fudeu, sou uma peça que não se encaixa nesse mundo. Até “pode” ser que me encaixasse na velha modernidade, porém, estamos em outra modernidade agora, “a segunda”, “a líquida”, “a pós”, como queiram chamar, mas está aí o problema. A modernidade vendeu a todos a possibilidade de construir algo eterno e essa mentalidade permanece nos nossos dias. Quando Marx disse “Tudo que é sólido desmancha no ar – tudo que é sagrado é profanado”, ele estava falando dos sólidos e dos sagrados que estavam derretendo em sua época, o Antigo Regime, a Igreja, os valores tradicionais, etc, porém, vivemos num tempo onde novamente esta frase necessita ser repetida. Tudo que a modernidade construiu, seus “sólidos”, está sendo desmanchado, por isso que prefiro o termo “pós-modernidade”, e o que nos resta é essa sensação de estar perdido. A modernidade está virando sobre si mesma. Venderam para a gente que no final todo mundo ia ser feliz, que chegaria um momento onde todos seriam “felizes para sempre”, porém, isso não existe.
A questão da felicidade é algo que vem me assombrando desde 2006, quando comecei a perceber, cada vez mais, que este “felizes para sempre” não existe. Apesar de saber que não existe, era o que eu realmente desejava. É bobo, eu sei, mas era o que acontecia. Porém, depois de Minas, meu desencanto e minha angústia eram tão grandes que precisavam serem exteriorizados, daí surgiram os contos. Os contos foram algo que foram utilizados como válvula de escape. Foram essenciais nesses segundo semestre e, também, foram essencial na minha reflexão sobre o mundo.
Porém, se eu, para parafrasear Marx, fui forçado a enfrentar com sentidos mais sóbrios minhas reais condições de vida e minha relação com os outros homens, ainda havia algo que não havia mudado, ele: “o princípio de eficiência”. Demorei um pouco para que caísse a ficha do quão nociva estava sendo a vida que estava levando. Isso explodiu no TCC. Em agosto eu tinha um tema, em Setembro eu tinha outro, em outubro eu tinha que entregar a primeira parte do trabalho. Foi uma loucura, não foi fácil. Resolvi mudar o tema pois realmente o antigo, Guitarra e Internet, não estava me dando tesão, na verdade, o problema era bem pior, não estava conseguindo ter vontade de caminhar nesse tema, foi então que resolvi mudar para Chico Buarque e me encontrei. Resultado, fiz um TCC de quase 80 páginas em 1 mês. O tema: “Tradição e Modernidade em Chico Buarque”. Novamente, ela, a modernidade, me perseguia e foi extremamente prazeroso perceber que também perseguiu o Chico, durante um tempo, hahaha. Daí surgiu a mágica do TCC em 1 mês. Uma vez, falei com a Michele: “se na banca, eles me perguntarem ‘como você sabe que o Chico estava realmente passando por isso?’ A resposta que darei será algo como ‘de acordo com a bibliografia’, mas a real, aquela que estará ecoando na minha cabeça será ‘eu sei, tenho certeza, porque é isso também que estou passando’, hehehe. Talvez, tão importante quanto essa retrospectiva, para entender o meu 2008, seja o meu TCC. Ali esta também o meu conflito.
Mas voltemos ao “principio de eficiência”, termo que aprendi em um dos livros que li sobre o Chico Buarque. Gostei tanto que comecei a me enxergar nele. Esse um mês que vivi para o TCC foi insano. Vivi para o TCC, dando ênfase no vivi, não é exagerar. Não saía de casa, não lia os textos da faculdade de história, não viajava com os amigos, não vi meu pai, nem meu irmão, foi foda. Tudo para o TCC, na verdade aí já não era tanto um principio de eficiência, mas sim uma obrigação, uma obrigação que me dava tanto prazer que me fez enxergar o jeito como eu estava vivendo.
Nessa pesquisa, duas coisas me fizeram pensar e muito na minha vida. Uma foi um parágrafo do “Tudo que é sólido desmancha no ar” do Marshall Berman, onde, em sua análise do Fausto de Goethe, ele diz que um espírito da terra fala para o protagonista algo do tipo: por que você, ao invés de tentar ser um Übermensh (super-homem) “não luta para se tornar um Mensh – um autêntico ser humano?” Foi então que percebi que tinha perdido minha humanidade, eu vivia como um Fausto, mais humilde, que lia Weber, enquanto seus amigos curtiam a cachoeira, que passou um mês trancafiado em sua torre em Suzano vivendo para um TCC. Havia perdido o que era devidamente humano. Depois disso comecei a me questionar bastante sobre isso. Vale a pena tentar ser um Übermensh e perder tudo de mais belo que ser um Mensh pode te oferecer? Depende, isso pode ser uma escolha e não cabe a nós julgar sobre isso. Porém, a grande ingenuidade dessa escolha é que, mesmo que você passe a vida trancafiado em uma torre, tentando absorver todo conhecimento do mundo, tentando tocar guitarra o mais rápido possível, fazer os passos de dança perfeito, construir o viaduto perfeito, se tornar o atleta perfeito, etc. nada disso é garantido. Um músico que passa horas treinando ficará bom tecnicamente, mas talvez não atinja a sensibilidade de um Beethoven, ou talvez atinja, seja um gênio e não seja descoberto exatamente porque passou tempo demais em sua torre. Não temos nenhuma garantia.
A outra foi uma música do Chico chamada “Cara a Cara”, cujo refrão final é:

Vou correndo, vou-me embora
Faço um bota-fora
Pega um lenço agita e chora
Cumpre o seu dever
Bota força nessa coisa
Que se a coisa pára
A gente fica cara a cara
Cara a cara cara a cara
Com o que não quer ver

Para fazer a análise dessa música usei muito a metáfora do “gelo fino”. Essa música, segundo Adélia Bezerra de Menezes é guiada pelo “princípio de desempenho”. Porém, o mais fantástico nessa música é o fato do personagem não poder parar, porque, senão, ele fica “cara a cara com o que não quer ver”. E o que seria isso? Talvez sua própria condição de vida. Através desse trecho eu percebi o porquê de tanta correria. Fugia para não “enfrentar com sentidos mais sóbrios minhas reais condições de vida e minha relação com os outros homens”. Final de 2006, 2007 e metade de 2008 corri, como quem foge de sua sombra, só depois de Minas, só depois que o freio de mão foi puxado, minha sombra, e esse exemplo cai bem, pois podemos usar literalmente aqui o conceito de sombra de Jung, pôde me alcançar. E então as Máscaras (as minhas para MIM) caíram.
O final de semestre foi tão “tenso” - ou até mais - quanto o primeiro, porém, consegui vencê-lo com leveza, sem o peso do mundo sobre as costas. Consegui manter a minha média na faculdade de História e tive a minha melhor média na faculdade de música nos quatro anos. Esse semestre tive quatro 10... Acho que isso nunca mais ocorrerá na minha vida acadêmica, hahaha, nunca mais. Foi pesado, mas leve, como o peso da gravidade, o qual sentimos, mas pelo qual passamos indiferente. Uma força que não tentamos controlar ou vencer. E aprendi algo extremamente importante: Sou eu que controlo o que faço e não o que faço que me controla. O mal da modernidade é justamente ter ultrapassado todos os limites humanos, sentimentais, biológicos, mentais, etc. Tornamo-nos apenas a machinae animatae de Descartes. Eu não sou uma máquina, eu não sou um Ubermensh, sou um homem.
Desde então a INSUSTENTÁVEL leveza foi substituída por uma leveza indefinida, talvez sonhadora, talvez ébria, talvez desejada. Apesar da cirurgia da minha mãe que foi um período tenso, coisas muito legais aconteceram comigo no final deste ano. Há um post no meu antigo blog que falava sobre momentos felizes que eu gostaria de guardar em um retrato na parede. Esse mês de Dezembro tive um, tirei dez no TCC. Quando vi quase tive um treco de felicidade, hahaha.
Bem, mas já falei demais... Só gostaria de dizer que termino 2008 com uma leveza edificante, que traz bons fluídos e uma desconfiança de que 2009 será sensacional. Bem, já que falei para 2008, “que seja o ano de alguém”, gostaria de ser um pouco mais egoísta esse ano e falar “que seja o meu ano”, hahaha, que 2009 traga coisas boas, não só para mim mas para todos. As metas eu deixo para outro post.
Beijos e Abraços e obrigado por este ano, amigos.
J. J
PS: Não vou reler para corrigir porque estou cansado, então me perdoem pelo erros.

Um comentário:

pontos... disse...

Concordo com Proust, e se não tivesse lido e lido e lido tanto, que seria deste post? Onde estariam Baumman, Kundera, os Chicos, e etc etc??? Mas, antes de tudo, temos que saber que o ano, assim como a vida, se constrói. E somos nós os agentes disso. E só prá rasgar seda, foi muito boa a contrução de 2008 ao seu lado, jotinha!!! Um abraço!