sexta-feira, 10 de outubro de 2008

CONTO XIV - IMPERIALISMO?


Eu entrei na sala de aula e todos olharam para mim. A cada passo, a cada marca do chão, mais os olhares me perseguiam e me julgavam. Eu sentia as cabeças virando para trás para acompanhar o meu caminho até a carteira que eu sentava. Tentei não dar bola, mas aquela situação me incomodava deveras, até a professora havia parado a aula para me encaminhar com os olhos. Já não bastasse chegar atrasado ainda tinha que sofrer esta humilhação.
Adolescente passa por cada coisa, desejava com todas as minhas forças ser adulto naquela hora, pois, adultos nunca se abalam com essas coisas e sempre têm respostas para tudo, mas não os jovens... Os adolescentes sofrem.
Sentei-me, tentei não olhar para frente, tentei não encarar ninguém. Peguei o caderno na mochila e fingi que estava preparado para escrever... Preparado, preparado uma ova, quem poderia estar preparado depois de tanta humilhação. A professora se virou e continuou passando lição na lousa, o silêncio permaneceu por alguns minutos, muitos ainda me olhavam, olhavam para os meus pés sujos de lama e para as marcas que sujavam a sala.
Que vergonha! Odiava morar em um bairro pobre, odiava ser pobre, odiava ter que andar na estrada de terra para vir para a escola, estrada esta que virava lama pura quando chovia. Odiava a chuva que havia caído na noite anterior e que deixou pela manhã a estrada enlameada me fazendo passar por essa vergonha. Odiava ser o filho da faxineira e ter bolsa em uma escola particular justamente por este motivo.
Todos ali tinham dinheiro e me olhavam sabendo que eu não o tinha. Uns me encaravam com nojo, “esse pobre, esse bárbaro, esse incivilizado”, outros com pena, “coitado, precisamos ajudá-lo, ele não tem condições de se virar sozinho”. A professora estava de costas passando lição na lousa.
Por mais que a professora se esforçasse ninguém prestava atenção na matéria, eu era a atração. “É melhor eu ficar longe deste menino, ele deve ser perigoso”, eu via nos olhos de uma menina, que usava um sapatinho branco impecável, que inveja.
Comecei a copiar a matéria e tentei esquecer a humilhação. O chão cheio de barro rodeando a minha carteira era uma atração. De tempos em tempos alguém olhava para trás para ver o produto da barbárie, era novo, era exótico, era selvagem, era barro.
O sinal tocou para minha alegria, era a hora do recreio. Esperei todos os alunos saírem. Fingi que procurava alguma coisa na mala e quando todos, inclusive a professora, já haviam saído, me dirigi ao pátio do colégio.
Lá cruzei com a minha mãe fazendo a faxina na escola e limpando a falta de educação daqueles que achavam que sempre haverá alguém para limpar suas sujeiras. Dei um oi tímido, não quis olhar muito em seus olhos, pois ela saberia que estava triste e saberia qual era o motivo. Ela vivia me falando que eu tinha que me orgulhar do lugar de onde vinha e que eu deveria agradecer por ter saúde e por poder estudar em uma escola boa. Ela sempre terminava seu discurso me aconselhando a não dar atenção àqueles meninos. Por isso, falei oi e saí rápido.
Cheguei perto da quadra e todos continuavam a me olhar, só que de maneira diferente. Um dos meninos da sala chegou perto de mim e falou: “Que bom que você chegou, estávamos te esperando para começar o jogo”. Os times foram separados e eu o primeiro a ser escolhido. Todos sabiam da minha habilidade com a bola, na quadra eu era rei, lá aqueles meninos endinheirados se curvavam à minha técnica, lá eu era algo que eles não podiam comprar e lá a periferia era o centro do mundo.
Driblei, lancei, corri. Fiz diversos gols, todos vinham me abraçar quando a rede balançava. Porém, a minha fama acabou com o sinal do fim do recreio.
De volta à aula, de volta aos olhares, eles continuavam os mesmos. Havia dez meninos suados após a partida de futebol, mas as meninas olhavam com olhares recriminadores apenas para mim: “selvagem”.
Olhei para frente e vi um dos meus companheiros de jogo com uma camiseta oficial do Milan, objeto que nunca poderia comprar e pensei: Será que eu era algo que realmente eles nunca poderiam comprar? Não sei. Talvez a periferia seja sempre um produto para a metrópole.

2 comentários:

pontos... disse...

Jota, curti demais! Discussões desde bárbaro x civilizado até interdependência mundial!! Diria que pode ser um dos melhores contos do blog!!!

Anônimo disse...

Curti. Beijocas.