sábado, 29 de março de 2008

Ode a função

Escravos de um objeto, trabalho exteriorizado, comprado com um salário de sobrevivência, coisa completamente sem função. Ídolo do capital, fetiche da mercadoria, status do ter, sem função, simplesmente “o ter”, o verbo transformado em substantivo. Assim funciona a pós-modernidade, cheia de indivíduos individualistas e massificados, oxímoro social.
Quem compra é a massa, o indivíduo agora é o produto, o fetiche, a mercadoria: “o novo ka”, “a nova skin”, “uma Ferrari”, “um nike”, são fabricados em série, mas mesmo assim a mídia mantém os artigos no singular. Só com[o] a mercadoria somos novamente indivíduos.
Livre comércio, laissez-faire laissez-passer, o Estado não intervém, assim deve ser, assim criamos nosso Frankenstein.
Pra que precisamos de marca? A função é a mesma. Uma camiseta é uma camiseta, uma caneta é uma caneta, um carro é um carro. A fome de quem passa fome é a fome de quem compra... Uns morrem outros entram no cheque especial. A fome é a mesma.
A bic de um real escreve tanto quanto a Montblanc de dois mil. A função é a mesma, o fetiche é diferente, o status é simplesmente possuir.
Crianças que aprendem a querer o que outros têm, não mais o que precisam. “Eu tenho, você não tem”, assim já ensinou um comercial. O que importa é o ter, quem não precisa enjoa fácil, mercadoria supérflua, troca-se rápido, compra-se mais.
Celulares com foto, filmadora, bluetooth, Internet, mp3, relógio, despertador e status, tudo que precisamos, mas sem função alguma. Ninguém para ligar, ninguém para receber, mesmo assim o fetiche é maior, comprar o mais novo é o orgasmo contemporâneo.
Estamos no tempo do upgrade, do novo álbum, do novo filme, da nova moda, o ano que passou já é velho, o hoje é mais importante. Quem lhe disse que “A kind of Blue” é velho? Quem lhe disse que “Cidadão Kane” é velho? Quem lhe disse que você está ficando velho para o “mercado” de trabalho? Quem disse que a vida é um mercado? Quem?
Função, por favor. O carro de trezentos mil roda tanto quando um de vinte. Duzentos e oitenta mil reais alimentam muita gente, mas já disse, a fome é a mesma. Uns sobrevivem como podem, outros ganham poder por possuir.
Comprados como mercadoria. Nossa função? Trabalhar para comprar. Dialética do capital, do fetiche e da mercadoria, do objeto e do trabalhador, da coisificação do trabalho e da alienação do indivíduo. Compramos sem precisar quando podemos, quando não... Roubamos, sem precisar, simplesmente para possuir, isso que nos diferencia daquilo que realmente somos.
Já não precisamos mais ser. Um Shakespeare “neo-barroco” proclamaria “Ter ou não ter, eis a questão”. A função está perdida, o fetiche está em auge. Quem compra tem fome, e quem não compra também... aura sacra fames. Função, por favor. Necessidade não ganância, por favor. Humanidade não mercadoria, por favor...

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