sábado, 15 de agosto de 2009

O CORPO DESCONHECIDO


Chegou em casa decidida. Ela sabia que não haveria ninguém ali, naquele momento, para lhe impedir de fazer o que se comprometera. Mesmo assim, por precaução, andou por todos os cômodos para garantir que estava realmente sozinha. Não sabia o que estava sentindo, não conseguiria explicar em palavras. Seu corpo tremia, tinha medo. Andava por cada pedaço da casa desejando, paradoxalmente, encontrar e ao mesmo tempo não encontrar alguém em casa. O desconhecido se apresentava. Medo e euforia eram uma coisa só. Estava sozinha.
Entrou em seu quarto, fechou a porta e encostou-se nela, como se quisesse impedir que algo lhe visitasse. Olhou sua cama, estava exatamente do jeito que havia deixado pela manhã. Talvez ainda estivesse quentinha como estivera antes. Seu quarto lhe parecia diferente; era o mesmo, mas era outro. Quiçá era a sua relação com aquele cômodo é que estava prestes a mudar. As paredes, cúmplices de tantos segredos, seriam convidadas a se calarem mais uma vez. Era por isso que olhava desconfiada para o seu quarto, estava lhe medindo, como se dissesse: “És confiável? Podes guardar mais um segredo?”
Deu um passo a frente, mas logo voltou à porta. Espremeu a chave com os dedos e a girou duas vezes. Esta atitude fez com que se sentisse mais segura. Deu alguns passos pelo quarto e começou a sentir um calor insuportável. Resolveu tirar o casaco. Pensou em jogá-lo em cima da cama, mas resolveu dobrá-lo e colocá-lo em cima de sua escrivaninha. Passou os dedos sobre os livros que estavam ali repousados, pegou um e foi sentar-se na cama.
Folheou algumas páginas, sem ler em si alguma frase; só folheava o livro a esmo. Fechou-o bruscamente e, através do ar empurrado para cima com aquela ação, pode sentir o cheiro das páginas envelhecidas. Colocou-o ao chão e aproveitou para tirar o seu tênis e as meias. Era inverno, o chão estava gelado, apesar de todo o calor que o quarto fizera questão de aprisionar.
Levantou-se e foi encarar-se na frente do espelho. Fez algumas caretas para sua imagem refletida e aproveitou para espremer uma espinha que nascia próxima a sobrancelha esquerda. Ela sabia que estava fugindo daquilo que havia se comprometido a fazer. Como em um ato de coragem retirou a pólo que vestia e a jogou ao chão, próxima ao livro que fingiu para si mesma folhear.
Essa sua ação impulsionou outras ações em cadeia. Desabotoou a calça jeans, abriu o zíper e a abaixou aos poucos. Hesitou um pouco, mas resolveu enfrentar sua própria nudez, retirando o que ainda lhe cobria o corpo. Talvez fosse a primeira vez que olhava seu corpo daquela maneira. Através do espelho, nua, pele e pêlo, enfrentava-se; entre momentos de repulsa e atração. Percorria os olhos sobre seu reflexo e via-se como nunca vira antes.
Quem era aquela pessoa refletida? Questionava-se. Foi então que percebeu que estava conhecendo o desconhecido em si. Algo que existia a ela apenas em potência. Como o frio que é a potencialidade do calor ou a noite que é a do dia. Reflexo e refletido eram a mesma coisa, e isso lhe deu coragem. Virou-se e foi em direção a cama, mas antes olhou mais uma vez, por cima do ombro, seu corpo nu.
Deitou-se e cobriu-se. Sentiu o calor gostoso que havia permanecido, talvez desde a hora que levantou, embaixo do cobertor. Embora coberta, permaneceu com os braços para fora, olhando para o teto despretensiosamente. Ainda tinha dúvidas se estava preparada para fazer aquilo a que se havia comprometido. A coragem que a possuiu em frente ao espelho, desaparecera.
Olhou para suas roupas jogadas ao chão, sentiu-se culpada. Durante toda sua vida tentaram lhe proteger de seu próprio corpo e agora era ela mesma que procurava o mal. Sentiu o coração apertado. Uma angústia tomava-lhe todos os sentidos. Questionava-se o porquê de tudo aquilo. Sentiu vontade de levantar-se e vestir sua roupa novamente, mas permaneceu deitada.
“Nada é bom ou mau, a não ser por força do pensamento”, disse lhe uma amiga mais experiente, certa vez. Essa fala ressoou como uma bomba em sua mente. Tomou coragem e enfiou as mãos para baixo do cobertor. Apesar de sua atitude, a angústia que sentia permanecia a mesma. Cravava as unhas com força sobre o seu ventre e contorcia-se, entre desejo e repulsa. Sentiu vontade de gritar. Deixar-se consumir daquela forma, consumiria as certezas que construíra sobre si mesma.
Sua mente e seu corpo lhe provocavam. Suas pernas roçavam entre si e sua respiração gelava o fervor de seu corpo que suava abundantemente. Foi então que resolveu pôr fim em toda aquela angústia que sentia. Escorregou uma das mãos e sentiu a umidade do prazer de um toque desconhecido. Abriu as pernas, arqueou os joelhos e jogou o cobertor para longe. Em suspensão, desfloresceu-se.
Após alguns minutos sua respiração começou a ficar cada vez mais rápida, mais rápida, mais rápida, como se o momento anunciado viesse lhe tirar a fôlego. De repente sentiu seu coração pulsar acelerado, apertou os olhos com força e abriu a boca entregue. Seus músculos ficaram tesos, os dedos de seus pés se encurvaram e aconteceu......Uma grande onda quebrou sobre o seu corpo, fazendo com que ela afundasse seu quadril na cama e levantasse suas costas ao ar em um estado de afogamento temporário. Sua cabeça pendeu para trás e seus lábios deixaram escapar um som sem palavras, meio abafado, como se quisesse ao mesmo tempo esconder e gritar a todos o que sentia. Abriu os olhos: Era o mundo, mas não o mesmo.

2 comentários:

Moreira T. disse...

Hey.. passei auqi para dar uma olhada e gostei do que vi..
visitarei mais vezs.. vc escreve mto bem!!

bjs..

T.M.M.

Anônimo disse...

Curti muito! Escreve mais contos de descobertas "fantásticas" como essa! Amei! Retratou bem o instante do autoconhecimento corporal! Show!